Animes de Estilos Artísticos Únicos #2 Kyousou Giga (TV)

Kyousou Giga é um anime original da Toei Animation (sim, aquela mesma toei que conhecemos muito bem, e por incrível que pareça, é o segundo anime do estúdio nessa lista) que acreditem ou não, é uma série bem animada. Começou com um OVA lançado em 2012 e posteriormente uma mini-série de ONAs que foram compiladas em um piloto para a série de tevê, que por sua vez, estreou em 2013. E será da série que irei comentar um pouco.

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A história se inicia no romance entre uma coelha nascida de um desenho e seu criador, um monge. Após a coelha se apaixonar pelo monge, um Bodhisattva fica com pena dela e lhe empresta seu corpo e então, após aparecer na forma humana, o monge acaba se apaixonando por ela. Depois de um tempo eles ganham um filho e para que ele não se sentisse sozinho, o monge desenha dois irmãos para o menino.
 
Da mesma forma, o monge acaba criando um mundo próprio dentro de um desenho e junto com sua família eles emergem nesse lugar. No entanto, ele e a coelha acabam voltando ao mundo real e seus filhos são obrigados a crescerem sozinhos dentro do mundo desenhado. Passado anos, uma menina com uma marreta de anti-matéria entra nesse mundo e ela será a chave para os três irmãos conseguirem sair de lá.
 

Pois é, essa é a sinopse da história e basicamente o que vemos no primeiro episódio do anime (Ou nos OVAs) e ela por si só já é muito maluca e difícil de escrever, porque o anime vai muito alem do que aparenta ser. Apesar do design mais cartunesco e a animação frenética no estilo FLCL, Tengen Toppa Gurren Lagan, Kill la kill… Kyousou Giga não é um anime de comédia e acaba se tornando uma armadilha para muitas pessoas que o assistem esperando por cenas engraçadas a fim de descontrair; é muito pelo contrário, o anime até tem uma carga bem humorada, mas há um peso dramático bem complexo em cima de cada personagem que vai se desenrolando a cada episódio, é como se toda a ação exagerada se tornasse um contraste para o anime não cair em um dramalhão ou para representar o quão confuso são os personagens e a realidade onde vivem.

Mas essa mistura combina? Não é como se existisse uma regra em que cada gênero necessite de um estilo especifico, porém para alcançar determinado sentimento no publico a obra precisa ser homogênea. No caso de Kyousou Giga, não é uma série que se prende à um único gênero, aqui ele mescla ação, drama, sci-fi, fantasia com elementos de comédia, religião e até mecha esse negócio tem. Então, para um anime que quer criar uma complexidade, nada melhor do que essa animação confusa e diretores bem excêntricos para brincarem com os sub-textos e analogias visuais.

E que visual, meus queridos! É um anime com muita mão da direção em que até mesmo quadros “simples” se tornam lindos, seja por seu simbolismo ou também pelas vibrantes cores que a paleta carrega. Há muitos contrastes de cores vívidas aqui e o freqüente uso de tons quentes, como o laranja do nascer e por do sol que é bastante usado para passar uma sensação de calor e conforto e também para simbolizar a partida (também usado com a representação de folhas ressecadas de outono). E esse é um dos principais temas da obra, a partida ou abandono dos pais e a carência dos filhos.

O diretor também usa muitos planos abertos (ou plano geral)  destacando a grandeza do mundo, da natureza e valorizando bastante os cenários que carregam os quadros de detalhes importantes para a localização, construção de mundo ou símbolos; sendo assim, é de se esperar que os cenários sejam carregados de objetos.

A arte é toda desenhada à mão: Prédios, máquinas, aglomerados de casas, objetos e pessoas, etc. E tudo meio cartunesco – incluindo o design dos personagens. As paisagens como árvores e montes são colocadas em algumas cenas de forma bastante artificial, como se fosse um cenário de papelão para teatro, fazendo jus ao mundo utópico aonde os personagens vivem. Uma peculiaridade é que há pequenos cubos 3D flutuando pelos cenários, dando a sensação de serem efeitos visuais em uma realidade virtual, deixando também essa pequena analogia sobre criar uma vida fantasiosa, algo que vivenciamos muito na internet.

A animação, como já mencionado, carrega um estilo frenético em suas cenas de ação que conta com o absurdo e muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo ou vários elementos em movimento na tela – além de vários cortes rápidos com diversas perspectivas. Contudo, não é uma animação orgânica como a que outros animes de mesmo estilo possuem. Os movimentos dos personagens aqui são bem rápidos, evitando vários quadros e deixando o anime ainda mais cartunesco. Mas há também muitos momentos “calmos” onde as paisagens são valorizadas, escapando da necessidade de uma animação constante.

E apesar de conter muitos elementos desenhados a mão, temos o uso de CGI aqui e ali para animar alguns objetos, como os utensílios jogados fora que voam pelo céu formando uma trilha, ou no caso uma torre que também foi animada em CG nos episódios finais, sendo um algo raro que causou estranheza.

Kyousou Giga é um anime com uma história muito boa, criativa e original. Entre seus pontos positivos está a imprevisibilidade, não sabemos que rumo o enredo vai tomar e há pouquíssima expositividade, pois entrega “o quê” aconteceu deixando os detalhes do “motivo” para depois. Sendo assim, nos é revelado a cada episódio “quem exatamente é” cada personagem, alem das várias reviravoltas no roteiro. Ou seja, nada é o que parece.

Mas se por um lado existe uma história muito boa, por outro lado existem vários problemas com sua abundância de informações. Em outras palavras, é uma obra que quer ser complicada demais em todos os sentidos: construção de mundo com conceitos de mundo espelhado, realidade virtual, multiverso misturado à conceitos sobre religião, tais como: a imortalidade, o renascimento, o destino, e entidades onipresentes e oniscientes. Abordando temas sobre: família, abandono, negligência, irresponsabilidade, inclusão… Se eu fosse entrar em detalhes sobre cada tema abordado, isso ficaria enorme, até porque há várias ideologias sintomáticas por trás do série além das mensagens implícitas citadas.

Uma simbologia famosa usada no filme 2001: Uma Odisseia no espaço, do nascer do Sol sobre a Terra, fazendo alusão ao símbolo do Deus Cornífero (Deus da vida, da morte e do renascimento, ou reencarnação). No filme o símbolo era colocado de ponta cabeça, como se houvesse algo oculto, aqui o vemos quase de pé, usado para expor que os dois protagonistas representam o Início e o Fim.

Claro que, abordar muitas coisas não é essencialmente ruim, porém é necessário desenvolver essas ideias dentro da obra para que elas tenham alguma profundidade, caso o contrário seremos bombardeados de informações sem substância. É o que acontece em Kyousou Giga. Um anime de apenas um cour e que por esta razão não tem espaço suficiente para sequer desenvolver seus personagens devido a quantidade de detalhes. A série tem uma boa construção universal e personagens com conflitos reais, mas ficou tão carregado por tentar ser complexo que acabou perdendo profundidade. Ainda assim, é uma obra boa, divertida, diferente, original e visualmente bonita.

Avaliação: ★ ★ ★ ★ ★ (++)

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